Provação Redentora

A voz que laboraste por modular docemente agora se transforma em brado de acusação impiedosa; as mãos que uniste muitas vêzes dentro das tuas, em gesto de ternura, parecem prontas a esbordoar-te; o rosto tantas vêzes osculado com meiguice surge congestionado diante da tua presença; os gestos que plasmaste com incansável devotamento, fazem-se bruscos e violentos em desafio à tua serenidade; aquêles olhos que enxugaste com desvêlo, quando choravam, fitam-te com chispas de ódio; o corpo que embalaste noites a-fio, ora freme de revolta e se agiganta diante do teu atual carinho; todo aquêle ser que cumulaste de amor, então, se contorce sob o gás da rebeldia e não trepida em malsinar-te, ferindo as mais caras aspirações que demoradamente acalentaste, bem como os nobres objetivos que tõda a vida perseguiste - a meta da tua realização interior.

Insultado por tão grotesca reação tentas, ainda, acercar-te do ser querido, escondendo a decepção e a dor íntima; no entanto, não consegues transpor a barreira entre ti e êle, colocada propositadamente para produzir distância, não obstante o êxito dêle depender do teu suor e da tua soledade, das tuas lágrimas e dos teus silêncios.

Permite-se acusar-te, censurar-te, e não te concede a condição ao menos de "ser humano".

Reserva-se o direito de magoar-te e explora os teus sentimentos para pisoteá-los logo depois.

Enquanto o envolves em otimismo, há muito tempo a inferioridade dêle espezinha-te com recalques cruéis, que procedem de vidas consumidas no passado do espírito e não te oferece a concessão das queixas ou das justas censuras que são descargas da tensão que te atormenta.

E dizer que te deste com o melhor que possuias, oferecendo-te todo por êle, para a felicidade dêle!

Retempera, porém, o ânimo e insiste no dever que te cabe ou que assumiste, mesmo incompreendido, apesar de sitiado pela ingratidão com que êle te retribui o carinho demorado.

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Seja quem fôr o ingrato - filho, amigo, afeto, companheiro -, é alguém vitimando-se com o ácido que o destruirá logo depois.

A ingratidão é enfermidade de erradicação difícil e demorada; a rebeldia reflete distonia espiritual; o azedume exterioriza infelicidade interior; a agressão atesta primitivismo; a cólera é morbidez de complexa definição no campo da mente em desalinho. Todo aquêle que se permite conduzir por tais famanazes da indisciplina e do orgulho merece caridade pelo tratamento do amor que ora e socorre, insiste ao lado e não revida mal por mal.

Ele, aquêle que te acicata o espírito, caminhará pela estrada da experiência, avançando na rota do futuro.

Aprenderá inevitavelmente e tornar-se-á brando.

Não é necessário que o desejes: a vida se encarrega de nós todos, cada um a seu turno...

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É pena - e sofres com isso - que te não saibas valorizar o amor, aquêle que hoje te fere e subestima.

Jesus, porém, experimentou, e em grau muito maior, a ingratidão e o desinterêsse dos companheiros mais amados. Medita nEle, na Sua vida e não te abales com a provação redentora. Felizes são os que amam, e amam sempre, reconhecidos, fiéis, Os outros, dentre os quais o ser que ora não te retribui amor por amor, já estão justiçados em si mesmos, sorvendo a amargura da inquietação e o tóxico da insegurança pessoal, que os envenenam paulatinamente.

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"Mas na hora de provação volta atrás". Lucas: capítulo 8º, versículo 13.

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"Os que, ao contrário, usam mal da liberdade que Deus lhes concede retardam a sua marcha e, tal seja a obstinação que demonstrem, podem prolongar indefinidamente a necessidade da reencarnação e é quando se torna um castigo". São Luiz. (Paris 1859). Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 4º - Item 25, parágrafo 2.

FRANCO, Divaldo Pereira. Florações Evangélicas. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. LEAL. Capítulo 14.